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Foto do escritorThiago Dias

Neurociência do Futebol Americano: Parte 1 - Quarterback

Atualizado: 28 de mai. de 2021

Nas últimas semanas têm-se falado muito sobre os Quarterbacks da NFL em Franchise Tag e os próximos a serem selecionados pelo Draft. Aproveitando o embalo dessas notícias, vamos falar sobre o que constrói um Quarterback de elite e as pesquisas e intervenções desenvolvidas no Flamengo sobre o tema.


Para começo de reflexão, o Quarterback não é o atleta mais forte ou ágil do time. A posição depende de outras qualidades técnicas para alcançar níveis de excelência, como realizar lançamentos precisos, reconhecer o ambiente e jogadores ao seu redor, delimitar limites do pocket, prevenir sacks/interceptações e quando não realizar um lançamento e partir para corrida. Isso nos leva ao seguinte questionamento: Como alguém pode perceber isso tudo? Como fazer valer o pouco de atenção em tão pouco tempo? Para isso, uma série de habilidades são desenvolvidas baseadas em dois pontos principais: Memória e Treinamento.


Foto: Bruno Baketa
Raffael Silva - Foto: Bruno Baketa

Ao contrário do que é dito popularmente, não utilizamos apenas 10% do nosso cérebro. O que acontece é a divisão do foco/atenção e a ativação de diferentes partes e hemisférios do cérebro em sintonia, levando ao aprendizado e reconhecimento de padrões específicos desenvolvidos pela memória.


O pesquisador e psicólogo premiado Christopher Chabris (jogador profissional de xadrez e fundador do American Chess Journal) com a ajuda do cientista Daniel Simons, desenvolveram estudos sobre comportamento e memória na Universidade de Harvard que explicam a relação entre memória e treinamento. Perceberam que quando um jogador de xadrez profissional visualiza por alguns segundos o tabuleiro, ele é capaz de lembrar muito mais peças e posições que um jogador iniciante. Entretanto, se as peças são distribuídas aleatoriamente, essa diferença desaparece. Esse resultado mostra que o jogador profissional não tem uma memória fotográfica ou capacidade cerebral superior. O que ocorre é que o jogador profissional guarda jogadas inteiras que aprendeu e não a posição de cada peça por rodada. Ou seja, o volume de pacotes de memória guardado é o mesmo, o diferencial é que o atleta profissional desenvolveu com o tempo o reconhecimento de padrões.


O mesmo vale para o Futebol Americano. Enquanto o Quarterback iniciante usa os pacotes de memória para lembrar as posições dos atletas em campo de maneira individual, o profissional guarda jogadas inteiras sem precisar focar sua atenção em cada movimentação dos atletas da defesa. Por exemplo, ao invés de visualizar três linebackers se movendo individualmente, ele é capaz de reconhecer o padrão de resposta conjunta da defesa de 3 ou 4 atletas a depender da linha de jardas inicial do snap. Ou seja, para que o Quarterback evolua dia após dia, o treino precisa ser repetido até que os lançamentos e jogadas sejam mais reações inconscientes do que conscientes, para reconhecer e memorizar padrões, desenvolvendo a capacidade intuitiva, fator diferencial entre os Quarterbacks de elite.


Para um aprofundamento sobre o desenvolvimento cognitivo do atleta, quatro áreas distintas da atenção devem ser compreendidas. Divididas e variando entre interno/externo e estreito/amplo.


Foco interno amplo: Envolve o planejamento, através de informações registradas sobre sua equipe e a equipe adversária. O objetivo é que haja sentido na decisão da jogada.


Foco interno estreito: Necessário quando se ensaia uma ação individual do desempenho antes de executá-la. Esse nível de atenção também é útil quando o jogador muda para um foco estreito físico, como sua pegada na bola oval ou o posicionamento e coordenação dos pés.


Foco externo amplo: Utilizado quando o atleta está monitorando o que ocorre ao seu redor. Por exemplo: Quando o Quarterback decide como realizar o lançamento a depender da posição do Wide-Receiver e Tight-End disponíveis para recepção. É a perceção do espaço como um todo.


Foco externo estreito: É baseado no sistema ação-reação. Por exemplo: Quando o Wide-Receiver está correndo pelas laterais e a bola é lançada, a atenção do outro jogador se estreia enquanto se posiciona para alcançá-lo.


A atenção flui entre essas quatro áreas. Em casos de atletas bem treinados, a atenção se direciona involuntariamente, de maneira automatizada, onde o foco é mais externo, diminuindo o tempo necessário para tomada de decisão. Nessas ocasiões, o senso de controle e previsibilidade é mais preciso. Em contraste, o mau desempenho muitas vezes ocorre quando o foco do jogador é predominantemente interno, pensando e analisando excessivamente.


Além da atenção e foco, outras capacidades mentais influenciam diretamente a performance atlética, como o controle do stress e ansiedade. O sistema de estresse ativa de maneira elétrica e hormonal os sistemas cardiovascular, neuromuscular e proprioceptivo. O ser humano tem o sistema neurológico e hormonal interligados, que atuam em conjunto visando o equilíbrio. Esses sistemas opostos de estresse e relaxamento ativam-se rápidamente durante movimentos críticos e podem beneficiar ou prejudicar o desempenho do atleta. A ativação de estresse exagerada pode desencadear excitabilidade fisiológica excessiva, além da quebra da concentração, que pode interferir na mudança cerebral esquerda (interna) - direta (externa).


Padrões de drive respiratório relacionados ao estresse são fáceis de serem reconhecidos. A respiração de estresse tende a ser acelerada e utiliza o diafragma para mover o ar para dentro e fora, envolvendo, principalmente, o uso dos músculos peitoral maior e acessórios da face. O foco do ciclo respiratório na respiração de estresse é na inspiração. A respiração de estresse e sua somatização utilizam grandes quantidades de energia que podem se tornar indisponíveis em momentos críticos da prática esportiva.


O sistema de estresse pode ser contrabalanceado pelo sistema de relaxamento do corpo, projetado para desativar pensamentos e excitabilidade fisiológica excessiva. O sistema de relaxamento pode ser ativado por várias habilidades e hábitos comportamentais, como meditação, massagens, hipnoterapia e técnicas especializadas de respiração.


O psiquiatra Dr. David McDuff, que atuou na NFL pelo Baltimore Ravens e Indianapolis Colts, relata em seu livro Psiquiatria do Esporte que três técnicas especializadas de respiração de relaxamento, adaptadas de Weil (1999), podem ser facilmente aprendidas e utilizadas para acalmar a mente, liberar a tensão e reduzir a intensidade emocional prejudicial para a prática esportiva.


A primeira técnica corresponde na Respiração de Relaxamento Padronizada. Consiste em respirar pelo nariz, uniformemente, por uma contagem de 4 segundos, segurando numa contagem de 7, e depois expirando pela boca uniformemente por uma contagem de 8. Esse padrão é repetido oito vezes e leva cerca de 2 minutos. Prender a respiração (enquanto conta ou se agita) permite o relaxamento da mente e o ajuste do corpo. Além disso, a via nariz-boca ativa um circuito elétrico de relaxamento que facilita a liberação de tensão.

A segunda técnica é a Hiperventilação Nasal Controlada. Consiste na respiração rápida (2-2,5 ciclos respiratórios por segundo, com bom ritmo) para dentro e para fora através do nariz, tanto para três sets de 15-20 segundos cada (com respiração simples nariz-boca nos intervalos) ou com um longo ciclo de 60 segundos (buscando cerca de 160-180 ciclos respiratórios em 60 segundos).


A terceira técnica é a Respiração de Limpeza. Trata-se de iniciar um ciclo respiratório eliminando todo o ar para fora pela boca até sentir um pequeno “nó” na linha média, um pouco acima do umbigo. Uma inspiração suave pelo nariz segue uma contagem de 4, até que os pulmões estejam cheios ao nível da clavícula. Por fim, uma expiração suave pela boca sob uma contagem de 8-12 segundos, eliminando para fora a tensão substancial. A respiração de limpeza é frequentemente usada em competições pouco antes de uma ação crítica, como field goal. A limpeza tripla, variação da respiração de limpeza, consiste em três longos ciclos respiratórios (4 para dentro - 4 para fora; 4 para dentro - 6 para fora; 4 para dentro - 8 para fora) é usada para diminuir a crescente excitabilidade fisiológica.


Bernardo Teixeira - Foto: Paula Reis

Em 2019, O atleta Bernardo Teixeira, atualmente Quarterback do Flamengo Imperadores, com o auxílio do médico Dr. Thiago Oliveira Dias, iniciou uma intervenção, utilizando-se de técnicas de relaxamento e respiração com o intuito de aprimorar a performance esportiva e evitar somatização do stress, cenário comum entre os atletas de sua posição.


Foram-lhe ensinadas as seguintes técnicas: Respiração de Relaxamento Padronizada e Respiração de Limpeza. O Quarterback começou a realizar a técnica de respiração de relaxamento padronizada após o aquecimento e nos intervalos das partidas. Além disso, adotou uma nova rotina pré-arremesso, com múltiplas respirações de limpeza. Seu foco então se deslocou de interno para externo durante a inspiração. Dessa forma, sua atenção se voltaria internamente para suas mãos à medida que expirasse lentamente e manuseasse a bola oval. Ao final do ciclo, visualizou o lançamento através da projeção mental de imagens, realizando uma nova longa respiração. O atleta realiza o lançamento enquanto expira parcialmente ou prende a respiração, seguindo as recomendações designadas pelo autor da técnica.


Essa rotina reduziu a ativação fisiológica excessiva e liberou a sua tensão. Essa técnica permitiu ao atleta aprimorar o nível de seus lançamentos de forma mecânica. Esse desenvolvimento só foi possível porque o atleta estava relaxado o suficiente para rotacionar o ombro, erguer o braço para cima e finalizar seus arremessos com boa ação e sensibilidade de pulso.


Ao longo de algumas semanas, o atleta percebeu que os sets repetitivos de respiração controlados combatiam efetivamente sua reação ao estresse em treinos e jogos. Com os resultados positivos da intervenção proposta e buscando elevar o nível do atleta para um outro patamar, outro método de alívio de tensão foi proposto: A Meditação.



Atletas profissionais como Russell Wilson (Seattle Seahawks) e Trevor Lawrance (Clemson Tigers) são adeptos da prática. Através de uma pesquisa utilizando-se do estudo de imagem por ressonância magnética funcional (fMRI), comparando meditadores experientes aos iniciantes, Brefczynski e Lewis (2007) descobriram que a ativação de regiões cerebrais envolvidas na atenção sustentada foi mais forte entre os experientes.


Para conduzir a técnica de maneira profissional e precisa, Dr. Thiago Oliveira Dias, convidou, diretamente da Universidade de Londres, o médico e pesquisador Dr. Vinícius Vieira, que há anos estuda os efeitos da meditação na saúde e bem-estar físico e emocional. O pesquisador orientou o atleta, com uma proposta terapêutica específica e individualizada.


Segue o relato do profissional:


“O atleta Bernardo me procurou já tendo experienciado técnicas baseadas em controle de respiração e visualização querendo aprofundamento. Foi então introduzido ao mindfulness, cuja definição mais aceita na literatura é “atenção plena no momento presente, intencionalmente e sem julgamentos (Kabat-Zinn,1979). Dentro desta linha, a prática sugerida foi a meditação do escaneio corporal, que consta em repousar a atenção nas diferentes partes do corpo durante 10-15 minutos. Sua prática constante permite o fortalecimento da conexão mente-corpo, permitindo que o indivíduo não só perceba sinais mais sutis se estresse mas também ancore sua atenção em uma região do corpo em um momento de nervosismo, dessa forma saindo da turbulência de pensamentos de preocupação e medo. Como atletas de alta performance experienciam pressão constantemente em suas carreiras, o desenvolvimento de uma estratégia efetiva para lidar com as mesmas de forma consciente pode reduzir os efeitos deletérios e com isso até aumentar sua performance.” Dr. Vinícius Vieira - Universidade de Londres

Os resultados foram coincidentes com as propostas dos profissionais e o atleta segue sua preparação para a Taça Brasil, Campeonato Carioca e a Liga Brasileira de Futebol Americano através de terapias de relaxamento associadas ao treinamento desportivo desenvolvido durante a semana com o Flamengo Imperadores.


Texto e pesquisa de autoria de Thiago Dias, médico do Flamengo Imperadores.


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